terça-feira, 24 de março de 2009

Alianças e Estratégias: Equívocos Presentes, Caminhos Futuros

Texto publicado no site da Agência de Notícias de Direitos Animais (ANDA)

Este mês de fevereiro completam-se dois anos que me tornei ativista pelos direitos animais.

Desde que aderi ao movimento tenho insistido na necessidade de os ativistas veganos abandonarem o espontaneísmo e adotarem uma postura mais responsável do ponto de vista profissional e intelectual. Não é porque o ativismo é voluntário que ele pode ser feito com desleixo. Não é porque você tem convicção das suas idéias que não tem o dever de desenvolvê-las filosoficamente para credenciar-se para o debate. Isto é, se queremos realmente que nossas ações em prol dos direitos animais tenham impacto na sociedade, seja na escala micro, das relações pessoais, seja na escala macro, de interferir nos processos de exploração animal.

A questão é recorrente. Vejo isso se repetir há dois anos. Quando suponho que uma fase do amadurecimento do movimento foi superada, ela volta como em ciclos. Lógico que declaro isso tendo como referência, em particular, o ativismo no Rio de Janeiro. O movimento progrediu bastante nos últimos dois anos. Há centenas de pessoas competentes e dedicadas que fazem a diferença para esse progresso. Não obstante, elas se defrontam repetidamente contra um muro de preconceitos, equívocos, mal-entendidos que puxam o movimento para trás. E não estou falando dos onívoros.

A “ideologia” do onivorismo é uma referência constante nos meus textos, pois meus objetivos primários são despertar a reflexão crítica dos onívoros sobre as fragilidades éticas e lógicas dos seus argumentos, e também fornecer subsídios aos vegetarianos para se credenciarem ao debate, pois duas coisas são fatais na luta pelos direitos animais: um vegano sem argumentos e sem saúde.

Entretanto cada vez mais me convenço de que está faltando aos vegetarianos e veganos reflexão crítica sobre si mesmos. Não que eu não soubesse disso há dois anos, mas me surpreendo com esse eterno retorno de mitos e equívocos, prejudicando o movimento quando pensam estar impulsionando-o.

Alguns desses exemplos:

- A defesa do ovolactovegetarianismo como uma “etapa” ou mesmo o “mal menor” em relação ao onivorismo.

- Na mesma linha, a defesa do bem-estarismo como um “mal menor” em relação à exploração sem regulamentação.

- Consequência desta segunda, a ideia de que bem-estaristas e abolicionistas são aliados em prol dos animais e podem e devem dialogar e cooperar – em pé de igualdade. Na verdade, os bem-estaristas são aliados dos exploradores, fato que Gary Francione já demonstrou repetidamente em textos traduzidos para o português – mas que ativistas que se consideram autossuficientes, acham o estudo desnecessário e acreditam que basta a força da convicção para defender uma ideia não leram.

- A lógica do “vale-tudo” em que, para convencer alguém a se tornar vegetariano, deve-se usar não o argumento mais correto, e sim o mais convincente – sem levar em consideração o dano que argumentos falhos podem provocar: desmoralizar o ativista e, logo, a causa como um todo; induzir o interlocutor a atitudes que possam prejudicar a sua própria saúde, no caso de informações nutricionais equivocadas; o abandono do vegetarianismo/veganismo a partir da constatação de que as premissas que levaram alguém a adotá-lo – reforçadas por ativistas que supostamente sabem do que falam – são falsas. Abordei eu mesmo esse tema no meu texto sobre os discursos transversais.

Cada um desses pontos já foi rebatido à exaustão por ativistas sérios, dedicados e que sabem do que estão falando. Além dos textos de Francione, recomendo fortemente os textos da revista eletrônica Pensata , particularmente o de Luciano Cunha, que trata dos equívocos do movimento em defesa dos animais, "Está tão na cara que é difícil de enxergar". O texto tem sete partes.

Mas a ignorância militante (ou displicência irresponsável) é muito difícil de ser superada. Já ouvi vários tipos de bobagens e irresponsabilidades de veganos. Um tipo que me espanta particularmente é a questão da vitamina B12, devido à sua seriedade. Incapazes – por pura falta de estudo sobre a questão – de responder ao falso argumento de que a necessidade de suplementação desqualifica o veganismo como opção alimentar saudável e natural, alguns veganos preferem dar dicas sem comprovação científica como comer algas ou tomar água de chuva (e se houver seca?) e de cachoeira (claro, tem uma cachoeira a menos de 1 km de todos os domicílios), negar a necessidade de suplementação ou apelar para o “conspiracionismo” (é tudo mentira da indústria farmacêutica).

Pode-se mesmo questionar o real grau de comprometimento que ativistas que não se dispõem a aprimorar seus conhecimentos têm com a causa. Nesses dois anos, lamentavelmente, pude constatar que, mesmo num meio supostamente governado pelos princípios e pela ética, há pessoas que promovem intrigas, boicotam e prejudicam colegas e se envolvem no ativismo tendo em vista tão somente a promoção pessoal.

Nesse ponto, quero fazer duas ressalvas. Primeiro: o reconhecimento que muitos ativistas obtêm por meio do ativismo sério e dedicado, que pode trazer benefícios materiais – mas nem sempre é o caso, pois o ativismo exige muitos sacrifícios – é absolutamente legítimo. Tampouco é correto criticar profissionais que colocam seu ofício a serviço da causa, extraindo daí também o seu sustento. Ou será que honesto é apenas o onívoro que decide investir em produtos veganos por uma esperteza mercadológica? O que estou criticando são pessoas que prejudicam a causa em função de seus interesses pessoais, promovendo brigas, criando competição, concentrando poder e responsabilidades, mesmo quando lhes falta competência para tanto. Segundo: não estou defendendo, com isso, que todos os ativistas têm de ser amigos, aliados e agir em conjunto. Aliás, essa mentalidade aliancista é extremamente prejudicial ao movimento, e é especialmente contra ela que me bato constantemente aqui no Rio de Janeiro. Por isso vou falar um pouco mais detidamente sobre ela.

O primeiro efeito da mentalidade aliancista é tentar juntar pessoas com matrizes de pensamento distintos, sob a premissa – nem sempre verdadeira – de que têm um objetivo comum. Aqui no Rio de Janeiro isso tem sido traduzido na estratégia de juntar bem-estaristas, abolicionistas, libertários e espiritualistas em favor da “causa comum” do vegetarianismo.

Consequências? Um discurso incoerente que confunde mais do que esclarece o público. Enorme perda de energia em reuniões, debates, discussões onde matrizes de pensamento que, na verdade, são bastante distintos, jamais vão se entender. A perda de tempo e energia resultantes apenas atrasam nossos empreendimentos e reduzem sua eficiência, prejudicando a própria difusão da causa e, portanto e principalmente, prejudicando os animais. Este é um paradoxo fundamental: o discurso aliancista legitima-se alegando que toda ajuda é bem-vinda e necessária para ajudar os animais, mas o efeito que ele provoca é o oposto do propósito que defende.

Há tempos tenho defendido a estratégia inversa: em vez de um aliancismo que faz tábula rasa das diferenças, declarando-as como empecilhos – e assim apagando as individualidades e identidades diversas – temos que adotar a estratégia de grupos pequenos, agregados a partir de afinidades filosóficas e ideológicas, que cooperem NA MEDIDA DAS POSSIBILIDADES, quando suas opiniões convergirem. Desnecessário dizer que por definição essa minha proposta exclui a possibilidade de alianças com bem-estaristas, pois nós devemos estabelecer o veganismo e abolicionismo como PONTOS INEGOCIÁVEIS. Se alguém não concordar com estas premissas, não devemos nos aliar com eles. Alguns dizem que esta é uma atitude segregadora. Este é um argumento ignorante. A coerência deve ser um princípio basilar de nosso movimento, e ela não supõe o isolamento, mas sim o diálogo. Dialogar, porém, é diferente de cooperar. A cooperação só pode existir quando existem metas comuns. O problema, portanto, e isso é o mais preocupante, é que muitos dos que se dizem defensores dos direitos animais AINDA NÃO VÊM O VEGANISMO E O ABOLICIONISMO como metas fundamentais do movimento.

Um exemplo pode clarificar a minha argumentação: durante a ditadura militar, comunistas e opositores liberais aliaram-se, pois sua meta era restabelecer o regime democrático. Naturalmente, com o fim da ditadura, essa aliança se dilui, pois as metas se tornaram distintas: os liberais defendem o regime capitalista, os comunistas querem derrubá-lo. Mal comparando, os defensores dos direitos animais querem criar alianças entre liberais e comunistas, e consequentemente despendem tempo e energia preciosos nesse trabalho improfícuo.

O I Encontro Nacional de Direitos Animais, realizado em maio de 2008, é um bom exemplo da estratégia que tenho defendido: foi concebido como um evento abolicionista, e conseguiu atrair participantes onívoros, ovolactovegetarianos, bem-estaristas, a partir da receptividade e do diálogo, mas sem abrir mão de sua coerência e seus princípios. E foi desse modo que naquele evento muitas pessoas foram atraídas para o veganismo e o abolicionismo. Isso não teria acontecido se uma atitude falsamente democrática tivesse posto pontos de vista distintos em pé de igualdade.

Infelizmente não consegui muitos adeptos para minhas concepções estratégicas na cidade do Rio de Janeiro, e tenho convicção de que este é um dos fatores pelo qual o ativismo nesta cidade está aquém do seu potencial, uma opinião que parece ser comum a todos os ativistas, independentemente das divergências que possam ter em outras questões.

Nós, veganos, temos que começar dando passos pequenos, realistas. O crescimento, a projeção, as alianças serão o resultado natural de um trabalho feito com competência, dedicação e coerência. Nesse ponto gostaria que minha experiência servisse de exemplo: a melhor forma de fazer com que o conjunto e o individual caminhem juntos é fomentar o talento natural dos ativistas, em vez de deliberar tarefas a esmo. Cada militante precisa encontrar seu lugar específico; desse modo, estará fazendo algo prazeroso para si, consequentemente produzindo um trabalho mais eficiente e contribuindo para a causa como um todo.

De dois anos para cá eu mesmo tenho me esforçado enormemente para crescer como ativista, e percebo que ao fazê-lo, além do crescimento individual, contribuo cada vez mais para a divulgação do veganismo e do abolicionismo sobre bases sólidas. A pesquisa, a reciclagem e atualização das ideias são uma necessidade constante que os ativistas que levam suas próprias convicções a sério devem observar.

A primeira e mais fundamental tarefa do movimento pelos direitos animais, felizmente, tem progredido rapidamente: dar clareza aos nossos propósitos. Isso implica a adoção do veganismo e abolicionismo como fundamentos prático e filosófico, respectivamente. A segunda tarefa, a partir daí, é ter clareza de que nem todos aceitarão essas premissas, e termos maturidade para seguirmos adiante sem ceder às ilusões de grandes alianças entre formas de pensamento distintas ou puramente inconciliáveis. Em paralelo, cabe-nos desenvolver estratégias eficientes para levar o veganismo abolicionista ao conjunto das nossas comunidades. Não estratégias que escondam nossas ideias ou enganem o público – como são os discursos transversais e aliancistas. O que nós precisamos é de uma estratégia que seja eficiente e coerente com os nossos propósitos. E este último é o ponto em que milhares de movimentos políticos e sociais – como o nosso – falharam no passado. Ao comprometer suas ideias e princípios, sua coerência, em nome do crescimento, tornaram-se uma sombra do que outrora foram e sacrificaram o fim – a emancipação – em favor do meio – o poder. Devemos aprender com estas lições do passado: não sucumbir à sedução do poder, nem à ilusão de que o poder acelera o árduo e longo processo da emancipação social. Ao contrário, seu canto da sereia afoga os ideais de libertação sob o oceano de dominação do qual é constituído.

terça-feira, 17 de março de 2009

Conversando sobre Direitos Animais

Texto publicado originalmente no site Vista-se em 12 de janeiro de 2009

O maior propósito de ler, escrever e debater textos sobre direitos animais é aprimorar nossa capacidade de responder ao ceticismo alheio. Ter a resposta certa pode muitas vezes representar a diferença entre ter um amigo a fazer piadas constantemente, conquistar o seu respeito ou, em última instância, conquistar um aliado na sua causa.

Por isso é sempre importante ter uma compilação dos questionamentos mais recorrentes em relação aos direitos animais para saber o que responder quando aquele coringa for sacado da manga de um onívoro. Quem é vegetariano sabe que essas questões não são muitas – apenas varia a sua construção:

1. Mas de onde você tira suas proteínas?

2. Você não vai ter anemia?

3. E as plantinhas, não sentem dor?

4. Tudo bem que você só queira comer mato, mas que direito você tem de me dizer o que comer?

5. Num mundo cheio de pessoas passando fome, é até imoral você se recusar a comer carne. Ou sua variação: Num mundo cheio de pessoas passando fome, as pessoas não podem se dar ao luxo de se recusar a comer carne.

6. Por que você não gasta seu tempo com algo mais útil e elevado, como cuidar crianças carentes? Outra variação famosa dessa diz: Enquanto houver gente pobre e faminta no mundo, os animais não serão prioridade pra mim.

7. Pesticidas da agricultura matam mais animais que a pecuária.

8. Você está comparando seres humanos com animais, e isso é igualmente absurdo e imoral.

(Inclusive, é muito comum que elas se apresentem mais ou menos nessa ordem.)

Deixo os mitos nutricionais a cargo de profissionais mais bem preparados para lidar com eles. Limito-me a dizer, portanto, que carência de proteína ou anemia são conseqüência de uma dieta pobre, ou mesmo de subnutrição. Retirar a carne e subprodutos (leite e ovo) da dieta NÃO implica uma dieta pobre, nem subnutrição. Veganos de fato precisam de suplementação da vitamina B12, mas isso não é muito difícil de se resolver, nem é desculpa para não ser vegano, já que a maioria de nós suplementa iodo (no sal), ácido fólico (na farinha), flúor (na água) sem maiores questionamentos filosóficos sobre se esta suplementação requerida pela vida moderna condena nossa dieta (ou nossa civilização). De mais a mais, há vegetarianos – e veganos – o suficiente no mundo para provar este ponto. Mesmo associações de médicos e nutricionistas, além de profissionais dessas áreas que conhecem de fato do assunto já declaram isso, o que exclui que se trate apenas de doutrinação do “fortíssimo” lobby vegano (pausa para risos). Eu fiquei positivamente surpreso ao constatar que nenhum médico que consultei até hoje, desde que me tornei vegano, me chamou de louco ou tentou me convencer a mudar de dieta. Empiricamente, percebo que os profissionais da saúde estão deixando ignorância e o preconceito em relação a este assunto.

No que concerne ao resto, a qualidade das perguntas não melhora em nada. Uma breve exploração ponto a ponto:

3. Não há evidência científica de plantas sentem dor; mesmo que sentissem, isso não significa que não deveríamos deixar de comer animais; e se nossa preocupação é salvar plantas, mataríamos menos delas se fôssemos vegetarianos e não desperdiçássemos toneladas de grão e folhagem alimentando animais para comê-los a seguir.

4. Defender o veganismo não equivale a impor-lhe minha dieta. Entretanto, já que você falou em direitos, as constituições democráticas – e o bom senso – reconhecem que as pessoas têm o direito à livre manifestação de pensamento. Mas já que você insiste na pergunta, não é questão de autoritarismo, mas puramente de lógica: não faz sentido que seu direito à picanha seja mais importante que o direito do boi à vida e à liberdade. Ninguém acusaria de autoritarismo a uma pessoa que limita a liberdade do pedófilo de fazer sexo com crianças; que limita a liberdade do estuprador de violentar mulheres; ou que limita a liberdade do maníaco assassino de matar pessoas.

5. Qualquer pessoa relativamente bem educada (digamos, com o ensino fundamental completo) sabe que o problema da fome do planeta não se deve à falta de alimentos, mas à concentração de recursos e de riqueza. Mas de fato a questão se torna mais interessante que isso quando recordamos que a pecuária drena recursos naturais, ocupa mais terra que a agricultura e é economicamente mais caro, de modo que a criação de animais para abate apenas ajuda a agravar o problema da fome.

6. Como sempre digo, nada nos impede de fazer ambos. Ou melhor ainda: você não precisa, a rigor, fazer nada pelos animais, na sua vida cotidiana. Deixar de explorá-los é o MÍNIMO que se pode fazer. Não custa nada (não, o estilo de vida vegano não é mais caro), a não ser um pouco mais de cuidado na hora de ir ao supermercado e farmácia e disciplina para comer na rua. De fato, é provável que você economize com o que gastaria em carne, laticínios, ovos, produtos químicos testados em animais e remédios dos quais não se precisa realmente. Então, você pode continuar tão politicamente engajado quanto antes em salvar as crianças, acabar com a fome no mundo, promover a paz mundial, fazer uma revolução e mudar o mundo. Apenas estará, ao mesmo tempo, tomando uma atitude COERENTE com tudo isso (tanto na prática como na teoria). O mais provável, porém, é que quem fez essa pergunta não faça nada nem pelas crianças, nem pela paz mundial.

7. Isso simplesmente não é verdade. Animais criados para o consumo também consomem, indiretamente, pesticidas e produtos testados em animais. As taxas de uso disso tudo seriam menores se as pessoas comessem apenas vegetais. Quem paga por “boi verde” pode pagar tranqüilamente por alimentos orgânicos. Os quais, aliás, são caros apenas por “grife” – triste este mundo em que saúde e respeito ao meio ambiente se tornam objeto de ostentação (e os economistas ainda dizem que cuidaríamos melhor do planeta se as florestas e a água tivessem valor de mercado…). Alimentos orgânicos podem ser igualmente produtivos e baratos. Por fim, a quantidade de terra liberada pela pecuária para a agricultura tornaria a necessidade do uso de pesticidas ainda mais duvidosa.

8. Aqui, um pouco de conhecimento de biologia e antropologia não faria mal. Comparar animais e seres humanos é o que eu chamaria de uma analogia perfeita. Muito melhor do que as metáforas futebolísticas que ganharam a política. Seres humanos são animais e, portanto, qualquer diferença que exista entre nós (humanos) e eles (animais não-humanos) é meramente de grau, não de tipo. Não existem habilidades humanas que não estejam presentes (em maior ou menor grau) em outros animais. Não há, portanto, nada de absurdo e imoral nessa comparação. Respeitar animais não implica desrespeitar seres humanos – antes o contrário, e qualquer defensor dos direitos animais que não valorize igualmente os direitos humanos está profundamente equivocado. Como seres sencientes, temos todos os mesmos direitos básicos – aqueles direitos que se referem a essa nossa característica distintiva que é a senciência. São estes direitos: a vida, a liberdade e a integridade física e psíquica. Afinal, é para proteger suas vidas e sua integridade que animais são sencientes, e só na medida em que são livres eles podem fazê-los por si mesmos.

Pelo contrário, e por mais absurdo que pareça à primeira leitura, são os antropocentristas que desmerecem o ser humano e têm uma perspectiva moral limitada – e perigosa. Se o que torna o ser humano especial são suas habilidades especiais – compor sinfonias, escrever romances, desbravar o universo, partir o átomo, defender teses, transformar a natureza a ponto de deformá-la (e com isso ameaçar sua própria existência humana) ou comunicar-se num determinado idioma ou proferir uma determinada religião ou ideologia – então qualquer ser humano desprovido dessas habilidades especiais deixa automaticamente de ser especial. Torna-se, portanto, descartável. Eis então como abrimos as portas para a eugenia, o racismo, a xenofobia, a limpeza ética, os campos de concentração, os gulags, o extermínio em massa e a bomba atômica.

Com o tempo pretendo responder mais detidamente a cada uma dessas perguntas (exceto à oitava, que considero já satisfatoriamente respondida com o texto “Por que animais têm direitos?”). Queria, por final, deixar perguntas aos leitores. Aos vegetarianos e veganos: quais foram os questionamentos mais estranhos que já ouviram, tanto no aspecto positivo, de desafiador, quanto no negativo, de ser risível? Aos onívoros que eventualmente lerem esta coluna: que outras objeções racionais vocês levantariam contra o veganismo? Não vale o prazer da picanha, pois não existe justificativa racional para um prazer gustativo.

OBS: Algumas dessas questões já foram aprofundadas em outros textos aqui publicados.